Sem mais nem menos…
Posted by amizadepoesia em Maio 13, 2007
Sem mais nem menos…
– Desenhe aqui uma árvore.
– Não sei.
– Desenhe aqui uma pessoa.
– Não sei.
– Desenhe aqui uma família.
– Não sei se quero ou não desenhar? Ninguém rabisca à toa. Entre o sim, o não e um talvez…
só sei que não me arrependo.
– O que é “arrepender?”
– …Se arrependimento matasse, se arrependimento existisse…
– Sim, talvez muitos não estivessem mais por aqui…
– Não me arrependo.
– Não se arrepende do quê?!
– Este é um dos quês… de não ter morrido.. se somente predominasse a morte sobraria o quê na paisagem?! Os sons dos estilhaços, talvez o azar escorrendo por cacos surdos, um pouco de sangue em uma lâmina afiada, um ou outro copo inteiro com algum líquido, comprimidos no chão, os últimos arrepios em algum relógio quebrado sem pulso… quem sabe algumas lágrimas de crocodilo dos que restaram e não souberam decifrar o que é o amor, depois mais um espectro no espelho de joelhos. Ninguém se larga, na vida à toa. Quando se vê a morte de perto se pode notar melhor a Vida?
– Ninguém se perfuma à toa…
– Quem está falando de perfume, por aqui?
– Estou sentindo o seu… ninguém fede nem cheira à toa! Nenhuma verbalização surge à toa, você não precisa desenhar nada… mas sempre tentará esconder algo de si… sabia que ninguém descolore os cabelos à toa, por que de um dia para o outro uma ruiva quer se transformar em loira?
– Por isto, não me arrependo.
– Ninguém se perturba à toa… ninguém mira, esgrima, sacode o ar da pança à toa… ninguém empina o peito à toa, ninguém retrocede e avança…
– Por acaso você é parente de algum saca-rolhas?
– Ninguém se perturba à toa.
– Como ninguém escolhe sem mais sem menos uma sílaba a toa, não me arrependo.
– Ninguém retrocede a estaca zero porque quer e se avança não segue… à toa. Ninguém vira a casaca à toa “numa boa” de uma hora para outra, alguém trocaria a cor dos cabelos para que?
– Não enche a paciência, você vê que não quero desenhar nenhuma árvore, nenhuma pessoa e muito menos alguma família.
– Ninguém descasca melâncias, laranjas à toa, ninguém embroma, descansa demais, estaciona por muito tempo… depois se levanta da cova porque cansa…
– Nenhuma carta cai debaixo da mesa à toa???
– Nenhum grampo de cabelo, nenhuma folha desliza até o chão à toa… nenhum curinga entra na manga à toa quais são as cartas? Faça sua escolha…!
– Tenho um curinga apenas: para um valente e um rei paus; um sete e o cinco de copas e ainda um ás e um três de espadas… eu tinha dito que tenho apenas um curinga, mas já é uma grande “coisa”… conto com três opções: roubar a carta marcada para que seja colocada bem no centro de um dos jogos atuais, torcer para que surjam outras cartas que encaixem para fechar os dois outros buracos, ou esperar por novas cartas ou curingas sem trapacear… não tenho paciência, mas mesmo assim não me arrependo…
– O vento não joga cartas fora da mesa à toa: se algo cae no chão, pode se deixar por lá virando as costas ou recolher o material do chão, o que você acha…?
– Não gosto de achar nada, os outros que encontrem… Posso me contentar com a visão de uma casa bem colocada construída…? É bem melhor uma casinha de joão-de-barro do que nada, sem me perder nas ruas mais escuras de Pasargada… Não me arrependendo.
– Não se arrepende de quê desta vez, dos sinais da sua teimosia?
– De ter nascido para jogar… quem é você para qualificar minha sensação atual? Posso estar apenas cansada…
– Você joga com fichas?
– Não, não jogo em busca de grana, nem aplausos ou reverberações.
– Você se considera pobre ou rica?
– Não sou, estou me sentindo meio pobre e meio rica na vida. No jogo da vida, enquanto se percebe que se respira não se tem nada a perder. Quem disse que a morte não respira? Uma roda bem conduzida cansa de ficar estacionada… tudo sempre será relativo, entre o sim, ou não… o talvez pouco serve: ou não é, ou não foi, ou não será, ou é ou foi ou será…
– Isto seria parte do ser ou não ser, no ser?
– Ser ou não ser é um chavão velho que nem todos sabem para que serve.. ainda. Nem todos lêem seus próprios sentimentos quanto mais a visão dos reflexos. Quem se arriscaria para colher um lírio-do-vale na beira de um precipício, por mais delicada ou frágil que esta flor aparentasse ser?
– Talvez quem tivesse amor e coragem suficiente dentro de si, mas ao colher a flor a mataria… tudo parece estar recaindo em um paradoxo: Excesso de proteção mata.
– O que mata é qualquer quintal sem sonhos, mesmo quando não pode se ver nenhuma estrela.
– Quintais sem sonhos não comportariam árvores, nem a possibilidade da pessoa estar em comunhão com tudo o o que brilha no Céu… pela falta de capacidade de enxergar um outro como familiar…
– Um dos segredos é calar a boca e escutar os sentimentos piarem… uma porta não se fecha à toa, os pensamentos voam com tamanha intensidade que os encadeamentos têm que ser dominados pela própria pessoa, você nunca irá adivinhar de onde nasceram, nem porque se apresentaram… todos acabam sendo arquitetos de pontes: Quem garante que o outro não se finge de morto para chamar atenção? Que um outro não entra constantemente em um hospital porque gostaria de receber regalias (no fundo não estaria desejando provocar uma doença?), quem garante que por detrás da raiva não há intenso desejo de defesa e que atrás da timidez não esteja a vaidade? Quem garante que o simplifica sempre tenha receio de entrar na confusão e aquele que solicita preces não esteja em estado de busca da meditação… quem garante que o que acusa não esteja camuflando a vergonha ou a culpa?
O exercitar da bondade pode ter passado por momentos de fúria até se tornar pacífica, tranquila e perseverante… quem garante que a fala macia não contenha labaredas de vulcões…? Defeitos e virtudes são como plantas, as premiadas não se consagram de uma hora para outra, falsos profetas e heróis não são chaves para se alcançar o Paraíso.
…Você nunca irá adivinhar de onde nascem as pautas, nem porque de um momento para o outro foram concebidas… nenhuma voz se cala à toa, se fecha porque teve que passar um determinado tempo assim… vozes agem como as folhas das árvores, na presença ou na ausência do vento.
Você já viu uma folha parada no meio de uma ventania…? Ninguém rejeita ou escolhe sem mais sem menos uma sílaba sequer sem motivo, e se disser que não sabe o porquê… é porque: não sabe como, não quis pensar, nunca parou para observar o puxar do fio da meada…
Rosangela_Aliberti
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